terça-feira, 9 de setembro de 2014

não vou de táxi

Ainda no Brasil comprei uma bicicleta de uma menina que estava deixando Wageningen. Estava bastante ansiosa para estreá-la. Para conhecer a cidade, sim, mas muito mais porque fazia 15 anos que não andava em qualquer aparato de duas rodas. Será que a sabedoria popular era sábia mesmo? E se eu viesse ao país das bicicletas e não conseguisse domar uma, seria expulsa? Um pária? Alien ao cubo?

Bom, sim, mas bastaram duas pedaladas pra que pudesse suspirar aliviada e ter a certeza de que o vexame não seria muito. A Corguinha (minha bicicleta, batizada com o sobrenome da menina que a vendeu [favor não contar]) estava sem um freio, com a pintura descascada em alguns lugares e toda desengonçada, mas estávamos nos entendendo. Menos com o guidão, que possivelmente foi projetado pelo capiroto em pessoa. Me levou alguns dias até me acostumar bem com ele e não parecer ligeiramente bêbada na condução.

Creio que existem mais regras de etiqueta em relação às bicicletas que socialmente por aqui. São vários os macetes. Você precisa sinalizar para virar, aprender a usar os semáforos para ciclistas, de que lado das vias ficar, onde pode e não pode transitar, quando e como usar a buzina, as luzes obrigatórias, a trava da bicicleta, chaves, onde estacionar. Ainda assim, é tudo muito tranquilo de entender e lidar e me tornei dessas pessoas que não cogitam ir a pé à padaria. Agora é só montada na Corguinha.

Logo no primeiro dia não-motorizado zanzamos por metade de Wageningen, por umas 3 horas. Percebam quanta Holanda em apenas uma foto:


O campus da Wageningen UR é impactante, sequer parece uma universidade. Os prédios são modernos, tanto na arquitetura quanto na tecnologia que existe neles, tudo muito espaçoso e bonito. Todos os edifícios foram batizados com nomes, os quais têm seus letreiros iluminados à noite (ainda preciso voltar lá com uma câmera decente pra tirar algumas fotos disso). Aliás, tudo aqui fica bem iluminado e tranquilo, a bem da verdade.

A cidade a princípio me deu uma sensação estranha. É tão inha. Bonitinha, arrumadinha, floridinha, organizadinha, limpinha, fofinha, calminha, exibidinha... Cortinas são item raro nas enormes janelas: as pessoas gostam de mostrar o que há dentro de suas casas. Aliás, descobri depois, me parece que a transparência é uma das grandes características holandesas. Ninguém esconde o que pensa ou o que é. E, apesar de chocante e frequentemente desconcertante, essa é uma característica que me agrada demais. Imagina só que incrível poder ser o que você é (e não ter que ir para o inferno por causa disso)?

Além dos grandes jardins e janelas nuas, existe um apreço especial pela luz indireta. Uma casa holandesa comum conta em média com 5 luminárias por metro cúbico, e também podemos adicionar um vasinho de plantas a esse espaço (fica o mistério de saber a metragem que sobra para se viver nos recintos). Dificilmente se vê cercas entre as casas, e quando existem normalmente são arbustos demarcando o território. As casas não diferem muito entre si e me pergunto se é um acordo espiritual ou se realmente existem regras para essa espécie de uniformização. Holandeses manipularam geneticamente as cenouras para que fossem alaranjadas, afinal. De toda forma, amo as portas e janelas coloridas. Quero algumas dessas pra chamar de minhas.

Ainda que Wageningen pareça um grande cenário dos Teletubbies, com patinhos soltos e tudo, a tranquilidade que existe nela é inspirante. Quando vi os lagos cheios de algas, as árvores frondosas, os rios e demais paisagens de aula de pintura, só consegui imaginar que foi isso a que o Hermann Hesse se referia em seus livros. Ele era alemão e falava da Alemanha, claro, mas ela está aqui do ladinho e julgo que não seja tão diferente. Essa era a paisagem que imaginava lá por 2004, enfim, quando devorava os seus livros durante os intervalos da faculdade. E pode parecer bobagem pra você, mas ter tudo isso diante de mim isso teve um peso significativo. Me trouxe uma sensação de conforto, de familiaridade.

"E aí, já está apaixonada pela Holanda?". Até ter ido a Utrecht, alguns dias depois, confesso que não estava. Completamente ambientada e à vontade, sim, mas não amando. Utrecht me fez sorrir à toa. Mas essa parte fica pra depois.


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