domingo, 14 de setembro de 2014

como ser estúpido: tulipolândia edition (parte 1)

Existem várias experiências inevitáveis quando a gente se muda para um país totalmente desconhecido. Novos lugares, pessoas, ares, comidas, culturas e vivências fazem parte do pacote e são a parte mais bonita e colorida que se pode ter. São a parte que todo mundo quer. Porém, nem tudo são unicórnios saltitando por campos de tulipas. Há outro fator inescapável nessa dinâmica: bancar o idiota. Então se por algum acaso sua estadia na Holanda estiver muito perfeita e você quiser dar uma incrementada com desespero e desolamento, aqui vai um guia com sugestões de como se sentir estúpido, em maior ou menor grau, em 12 passos simples*.


1) Pegue o trem sem saber bem como funciona o sistema:
Antes de sair do Brasil, uma funcionária da universidade daqui gentilmente me mandou este educativo vídeo de como chegar com tranquilidade ao meu destino. Tava no papo: chega no aeroporto, compra o cartão na maquininha, dá check-in no trem e bora.

Rá.

Depois de rodar um pouco pra achar as máquinas no aeroporto, a primeira em que fui não vendia o cartão. A segunda pedia que eu inserisse meu cartão de débito e eu tive que chegar a pedir ajuda pra entender como enfiava o bendito na fenda (quem não sabe enfiar um cartão em uma máquina automática? Euzinha). E não adiantou nada, porque não aceitava meu cartão de débito. A terceira não aceitava meu cartão de débito. A quarta não aceitava meu cartão de débito. Nenhuma sacrossanta máquina aceitava meu cartão de débito e se fosse pra pagar em dinheiro, só aceitavam moedas. Não tinha moeda alguma. Então fui até o guichê pra comprar meu Ov-chipkaart. E ufa, comprei. Mas... cadê a estação? No subterrâneo, logo vi. Também vi as escadas que davam acesso à estação. Finalmente, os elevadores. E desci confiante.

E logo de cara em uma plataforma (por obra divina, a certa). Não vi lugar nenhum pra dar check-in no trem e fui perguntar, afinal me parece correto pagar pelo que se usa. O funcionário da estação disse que no andar de cima. Eu achei que ele se referia à compra do cartão e perguntei de novo, dizendo que já o tinha feito. "No andar de cima", respondeu sem olhar na minha cara, mas com a expressão de quem fala com deficientes mentais. Então tá.

Subi com as três malas, achei o totem pra dar check-in e aí você já sabe o resto: entrei no maldito vagão errado e chorei feito uma bezerra.


2) Cumprimente pessoas:
No meu segundo dia aqui fui a um jantar na casa do Thiago e da Andrielli, brasileiros que estavam recebendo uma italiana que prometia ensinar a fazer macarrão. Macarronada, a bem da verdade, porque o macarrão já estava pronto (Rafael frustrado que o diga).

Cheguei e foi automático cumprimentar com um beijo no rosto. A italiana me olhou com desconfiança e a mão semi-estendida, mas deu o rosto. Eu dei um beijo e ela virou pra dar mais outro. Eu não. Toda uma névoa de constrangimento invadiu o recinto. Quis ir para o cantinho da reflexão mesmo sem saber bem o que tinha feito de errado.

E então soube: se você acaba de conhecer alguém aqui, só se dá a mão. Rosto e demais partes da sua anatomia, só depois de alguma intimidade. E se for pra dar beijo, são logo três (só não sei se é pra casar).


3) Vá ao mercado: 
A Cynara já havia me alertado que uma das experiências mais desesperadoras para recém-chegados seria ir ao mercado. Acreditei, é claro, mas ao chegar não achei tão horripilante assim ver um rótulo destes



Quero dizer, definitivamente não é animador entender duas de 94562489 palavras, mas já era algo esperado. Se não consigo deduzir o que uma coisa é, parto pra próxima ou procuro no dicionário se a curiosidade não me permite seguir adiante. O que me pegou mesmo estava na seção de frutas e legumes (sempre muito capciosa) e no caixa.

Queria limões. Limões são legais. Gosto deles. Resolvi trazer 5 pra casa e precisava pesá-los, porém não havia ninguém operando a balança. Supus que você mesmo precisava fazê-lo e lá fui eu operar a máquina perigosa.

Holandeses são tão fofos que colocam o nome e a foto dos itens à venda, portanto qualquer estúpido poderia selecionar a opção correta. Selecionei os citroenen e já comemorava internamente quando apareceu uma mensagem na balança, algo como "eohr ouherhsao ishdjidjslik utewhep nobidbsfoq ndosb ei". Hum... doesn't ring a bell.

Pedi para o Moço Funcionário me ajudar com aquele grande mistério e ele disse que só precisava pesar se você usasse o caixa de self checkout, mas me guiou mesmo assim, escorrendo paciência. O que aquela bela mensagem queria dizer é que eles vendiam os limões por unidade. Era só saber contar e ter apertado o número 5. Tinha faltado apenas a última parte, até onde me consta.

Como um dos meus principais passeios tem sido ir a mercados, em outra oportunidade não tive que pesar nada, mas ainda assim precisava pagar. Depois de ter colocado toda a minha compra na esteira (holandeses são muito estritos com os cavaletezinhos para separar as suas compras das dos outros na esteira; se você não puser, alguém vai por pra você com ar irritado), vi um sinal de que não aceitavam dinheiro. Como os de trânsito, círculo vermelho com uma faixa no meio. Proibidíssimo. Confirmei com o atendente e não recebiam mesmo, que guria tonta.

Então alguns dias depois fui a outro estabelecimento numa fila em que havia o mesmo símbolo (no qual só fui reparar quando já estava na minha vez). Resmunguei para a moça que não aceitavam dinheiro ali, né? E aceitavam. Que guria tonta.

Ou seja: nunca se sabe. Talvez dê pra fazer uma roleta russa alternativa, uma holandesa, quando se trata de caixas. Livin' la vida loca, babe.


4) Arrisque algo em holandês:
Pra mim parece mancada não aprender a língua do lugar em que você vive, portanto saí determinada a aprender pelo menos um pouquinho de holandês. Isto é, quando eu achava que não seria difícil aprender um pouquinho de holandês. Êta língua de pronúncia trava-língua e sem cognatas com nenhuma outra que conheça.

Em todas as vezes que pedi algo (pretensamente) em holandês, foi automático que todos me respondessem em inglês. Tão frustrante, tão óbvio que sou gringa. Só foge da minha compreensão se fazem isso por cortesia e para que você não sofra muito ou se dizem entre os dentes "pare de estuprar minha língua materna, sua vadia" enquanto respondem no seu inglês polido. Não sei. Só sei que virou questão de honra que chegue o dia em que diga qualquer coisa em holandês e me respondam em holandês. Só pra daí eu poder dizer, com um sorriso contido, "sorry, I don't speak dutch".

Mas tá, cadê o se sentir idiota aí? Não tem. Entretanto, já ouvi N histórias de gente que falou qualquer coisa em holandês, um nome que fosse, e de repente se viu dentro de um sketch do Monty Python.

- Sabe ihjskjl?
- Quê?
- Ihjskjl.
- Oi?
- Ihjskjl!
- Desculpa, não entendi.
- Ihjskjl!!!!!
- Nope, nada.
- I-hjs-kj-l.
- ... Coca-cola?
Você escreve a palavra.
- Ah, ihjskjl! - na mesma pronúncia que você. "Mas não sei não".

Desconheço se é falta de um Sonic 2000 ou só um pouco de má vontade, mas de toda forma deve ser uma das sensações mais frustrantes do mundo.


5) Não arrisque algo em holandês:
Justamente por essas histórias que acabei de reproduzir, o dia em que precisei pedir um táxi foi um curto pesadelo. Veja bem, eu estava na rua Commandeursweg e precisava ir à Wim Sonneveldstraat (sugiro que você ouça as pronúncias de ambas jogando no Google Translator). Se foi difícil dizer yoghurt para o sorveteiro uns dias antes, imagina isso. Ninguém ia entender nada e eu não estava afim de Monty Python naquele dia.

Então procurei sem muita esperança algo online. Obviamente não havia. Mandei email para uma empresa que fazia propaganda no Facebook e não me respondiam. Nada. Então me enfezei e resolvi ligar e tentar a sorte, nem que tivesse que soletrar. Não existem táxis sexta-feira à noite em Wageningen.

No final das contas não consegui táxi algum e não me mudei na data estipulada (o táxi era pra isso). Só tive coragem de comunicar à dona da casa que tive um imprevisto... o que não deixa de ser verdade.


6) Tome banho:
Eu amo banheiras, ainda que tenha convivido pouquíssimo com elas. Nossos encontros foram muito fortuitos - porém intensos - pela vida. Entretanto, amo tanto que tenho certeza de que não vou ficar solteira até morrer por sentir no meu âmago que vou me casar com uma banheira algum dia. Qualquer uma. Amo todas. Quem sabe me case com mais de uma até.

Sendo assim, foi uma grande alegria abrir a porta do banheiro da casa nova e ver uma linda banheira branca, bem do meu número. Grande o suficiente pra poder deixar a maior parte do meu corpo submersa e pequena o suficiente pra não desperdiçar muita água. Bonita e sensual. Tava louca pra esticar meu corpo nu nela todinha.

Então chegou o grande momento. Levei todos meus produtos de higiene, abri a torneira e aí... a água saiu pelo chuveiro. Chuveiro esse que estava enrolado num canto, quase um chuveirinho. Estava tão ansiosa por um banho que ele aconteceu assim mesmo, eu segurando o chuveiro com uma mão e me ensaboando com outra, tudo do mais desengonçado possível. Mas eu iria voltar, ah se iria.

A ideia era planejar todo um dia de modo a ter tempo pra me tornar uma uva passa dentro daquela belezinha, mas naquele momento tinha pressa pra sair e precisava mesmo era de uma chuveirada. Entrei no banheiro, vi o chuveiro pendurado no suporte e... EI! Porra, tinha suporte pra pendurar! Pqp. Tudo bem, retoma. Vamos tomar uma chuveirada, agora com as duas mãos livres. Abri a torneira e aí... a água saiu pela banheira.

Mexi em tudo o que consegui imaginar que pudesse mudar direcionamentos aquosos, mas a água continuou saindo pela banheira. Apertei, puxei, joguei pra um lado, pro outro, procurei passagens secretas, gritei palavras mágicas. Nada. O negócio era encher a banheira e tomar um banho rápido.

Acontece que eu precisava lavar o cabelo também. E pra molhá-lo era aceitável usar aquele caldo de mim mesma que ficou na banheira, mas pra enxaguar já era porquice. Então, a cada vez que precisava fazer isso, me dobrava em 37 pra caber debaixo da torneira banheirística, enquanto sentia pontadas nas costas e no meu ego.

9 da manhã e já derrotada pela vida. Eventualmente descobri que era apenas uma questão de puxar a mangueira, mas a essa altura meu orgulho tinha ido passar uma temporada em um rehab.

(continua)

* favor não levar a sério, embora tudo isso tenha acontecido. A intenção aqui é encontrar o humor dessas situações. E só.

Um comentário:

  1. Chá de cadeira no aeroporto e rindo litros com essa da banheira! Vc continua escrevendo maravilhosamente bem!! ������

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